quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A essência dos lugares sagrados

Não admira que muitos lugares sagrados partilhem o facto de acentuarem laços com seu fundador ou outra figura importante na história da sua religião. O historiador de religiões Mircea Eliade assinalou o aspecto mais intrigante de, por exemplo, muitos lugares sagrados em diferentes religiões dizerem representar o centro do universo. Esses lugares sagrados são "pontos de encontro entre o céu e a terra", "um ponto de confluência entre a terra, o céu e o inferno, o centro da terra, um lugar de encontro para as três regoões cósmicas" (1958:375). Eliade continuou a demonstrar a forma como a arquitetura e o simbolismo de muitos edifícios sagrados - templos, igrejas e mesquitas - refletem algo do espaço sagrado central de uma religião.
O capítulo sobre o Islão fornece uma boa descrição da Caaba em Meca, explorando o seu significado através da perspectiva geral de Eliade e mostrando que a tradição a representa como o verdadeiro contro de significado da história do mundo, ao marcar o lugar inde a vida humana começou. Demonstra também como outros lugares, Medina e a Catedral da Pedra em Jerusalém, vêm partilhar a sacralidade de Meca.
As religiões analisadas nesta obra, como em toda a coleção, refletem dois aspectos da religião, um local e outro universal, e já analisamos como estas dimensões se relacionam umas coma soutras. As duas dimensões envolvem também a identidade dos crentes em relação aos lugars sagrados. Algumas religiões coo o Hinduísmo, o Siquismo, o Judaísmo e as tradições chinesa e japonesa, representadas em capítulos sucessivos, são aquilo que se poderia chamar de religiões étnicas. Pertencem â verdadeira estrutura cultural de uma sociedade e à identidade dos seus membros. Para eles, os lugares sagrados são também aspectos fundamentais dos povos e das suas vidas. Mas como o capítulo do Hinduísmo torna claro, o lugar principal pode assumir formas naturais, como montanhas, os rios e as florestas, enquanto os templos têm um significado menor. Ainda assim, pode ser prestada aos templos grande atenção e, no caso do Hinduísmo, veremos como uma preocupação sobre dimensionar os templos com as medidas adequadas se prendia com o domínio das matemáticas. O Cristianismo e o Islão associam também aspectos locais e universais da religião naquelas sociedades onde estas crenças existiram durante muitas centenas de anos. Neste sentido, por exemplo, a Irlanda tem sido um país cristão durante cerca de dois mil anos e nesses países o Cristianismo e o Islão transmitem efetivamente um sentido fundamental de identidade para aqueles que nascem na religião. Quanto mais tempo uma religião existir numa determinada área geográfica, maior possibilidade tem de criar e validar novos locais sagrados no novo território. No Cristianismo católico, por exemplo, o crescimento de novos lugares sagrados tem sido frequentemente associado à crençanas aparições da Virgem Maria a um ou mais crentes fervorosos. Lourdes, Fátima e Knock representam apenas três locais europeus que se tornaram centros sagrados de peregrinação.
Mas Cristianismo e Islão são também movimentos profundamente missonários, apesar de serem meios completamente deferentes de difundir a sua fé. Ao longo dos séculos XVIII XIX, o Cristianismo expandiu-se em grande parte da África, como recentemente tem sucedido com o Islão. Os períodos de expansão missionária têm interesse no estudo da religião, porque, durante o período de estabelecimento e crescimento de uma religião, os lugares sagrados, locais que pertencem a anteriores tradições nativas religiosas podem ser, ou varridos pelos missionários e convertidos zelosos, ou relegadas para uma posição inferior, sob o domínio de um local sagrado situado bem para fora da experiência local. As terras e os dias de Jesus ou de Maomé vêm ocupar a posição central das pessoas que, até há pouco, nunca tinham ouvido falar de Jerusalé ou de Meca. Os novos locais sagrados, que tomam o lugar dos templos "pagãos" locais, são validados e investidos de poder pelas ligações históricas que têm com os locais centrais da história ou da história mítica das respectivas religiões.
Embora esta divisão entre religiões étnicas e missionárias seja importante, não deverá ser firmemente acentuada. No final do século XIX e especialmente do século XX, muitos movimentos originários das mais antigas religiões étnicas tornaram-se eles próprios movimentos propensos ao espírito missionário. Vários grupos hindus e budistas orientais tornaram-se populares no Ocidente; o movimento Hare Krisna do Hinduísmo e várias tradições de yoga são bons exemplos. Estes movimentos mostram precisamente como as religiões podem ser exportáveis e como os lugares sagrados podem ser constituídos não aenas por lugares naturais medonhos, ou por antiga revelação, mas também por um grupo de pessoas. O caso das religiões japonesas oferece um exemplo flagrante do poder de lugares naturais, tal como faz o Islão de um lugar histórico, e o Cristianismo Carismático sente a sacralidade da experiência de os crentes praticarem juntos o culto. Uma idéia semelhante está subjacente ao fato de, por exemplo, mesmo pequenos grupos de muçulmanos ou judeus poderem contituir uma mesquita ou sinagoga com o propósito da oração.
Fianlmente, este aspecto levanta a questão da distinção entre imanência e transcendência, como duas dimensões do sagrado que estão subjacentes a muitas tradições religiosas representadas neste livro. Os professores de Religião salientam frequentemente a necessidade vital da sinceridade de intenção nos crentes, para, no seu próprio interesse, irem sobretudo ao encontro do mistério transcendente da sua fé, acima de qualquer adesão a um lugar físico grosseiramente materialista.
DO LIVRO:
LUGARES SAGRADOS
COORDENAÇÃO DE JEAN HOLM e JOHN BOWKER.